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O Mundo

quarta-feira, 8 de junho de 2011

CRÍTICA DE ARIANO SUASSUNA SOBRE O FORRÓ ATUAL




'Tem rapariga aí? Se tem, levante a mão!'. A maioria, as moças, levanta a mão. Diante de
uma platéia de milhares de pessoas, quase todas muito jovens, pelo menos um terço de
adolescentes, o vocalista da banda que se diz de forró utiliza uma de suas palavras prediletas
(dele só não, e todas bandas do gênero). As outras são 'gaia', 'cabaré', e bebida em geral, com
ênfase na cachaça. Esta cena aconteceu no ano passado, numa das cidades de destaque do
agreste (mas se repete em qualquer uma onde estas bandas se apresentam). Nos anos 70, e
provavelmente ainda nos anos 80, o vocalista teria dificuldades em deixar a cidade.

Pra uma matéria que escrevi no São João passado baixei algumas músicas bem representativas
destas bandas. Não vou nem citar letras, porque este jornal é visto por leitores virtuais de
família. Mas me arrisco a dizer alguns títulos, vamos lá: Calcinha no chão (Caviar com
Rapadura), Zé Priquito (Duquinha), Fiel à putaria (Felipão Forró Moral), Chefe do puteiro
(Aviões do forró), Mulher roleira (Saia Rodada), Mulher roleira a resposta (Forró Real),
Chico Rola (Bonde do Forró), Banho de língua (Solteirões do Forró), Vou dá-lhe de cano
de ferro (Forró Chacal), Dinheiro na mão, calcinha no chão (Saia Rodada), Sou viciado em
putaria (Ferro na Boneca), Abre as pernas e dê uma sentadinha (Gaviões do forró), Tapa
na cara, puxão no cabelo (Swing do forró). Esta é uma pequeníssima lista do repertório das
bandas.

Porém o culpado desta 'desculhambação' não é culpa exatamente das bandas, ou dos
empresários que as financiam, já que na grande parte delas, cantores, músicos e bailarinos
são meros empregados do cara que investe no grupo. O buraco é mais embaixo. E aí faço
um paralelo com o turbo folk, um subgênero musical que surgiu na antiga Iugoslávia,
quando o país estava esfacelando-se. Dilacerado por guerras étnicas, em pleno governo do
tresloucado Slobodan Milosevic surgiu o turbo folk, mistura de pop, com música regional
sérvia e oriental. As estrelas da turbo folk vestiam-se como se vestem as vocalistas das
bandas de 'forró', parafraseando Luiz Gonzaga, as blusas terminavam muito cedo, as saias e
shortes começavam muito tarde. Numa entrevista ao jornal inglês The Guardian, o diretor do
Centro de Estudos alternativos de Belgrado. Milan Nikolic, afirmou, em 2003, que o regime
Milosevic incentivou uma música que destruiu o bom-gosto e relevou o primitivismo est tico.
Pior, o glamour, a facilidade estética, pegou em cheio uma juventude que perdeu a crença
nos políticos, nos valores morais de uma sociedade dominada pela máfia, que, por sua vez,
dominava o governo.

Aqui o que se autodenomina 'forró estilizado' continua de vento em popa. Tomou o lugar
do forró autêntico nos principais arraiais juninos do Nordeste. Sem falso moralismo, nem
elitismo, um fenômeno lamentável, e merecedor de maior atenção. Quando um vocalista de
uma banda de música popular, em plena praça pública, de uma grande cidade, com presença
de autoridades competentes (e suas respectivas patroas) pergunta se tem 'rapariga na platéia',
alguma coisa está fora de ordem. Quando canta uma canção (canção?!!!) que tem como tema
uma transa de uma moça com dois rapazes (ao mesmo tempo), e o refrão é 'É vou dá-lhe de
cano de ferro/e toma cano de ferro!', alguma coisa está muito doente. Sem esqu ecer que uma
juventude cuja cabeça é feita por tal tipo de música é a que vai tomar as rédeas do poder daqui
a alguns poucos anos.

Ariano Suassuna

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